A primeira coluna da Casa da Cultura Góes
Artigas, reflexiona sobre a afirmação que intitula esse texto. O que significa
ser semente no contexto das mulheres rurais de Góes Artigas?
Para abordar a associação entre sementes e
culturas é preciso olhar a estreita relação entre as mulheres e os conhecimentos.
Ao ingressar no mundo rural em que o município de Inácio Martins faz parte, é
fácil observar no alto das serras e no centro da cidade as roças, cultivos,
quintais, jardins e pomares que desenham as moradas martinenses. Mais fácil
ainda, é entrar em uma conversa sobre plantios e colheitas, e sair com sementes
e mudas nas mãos.
Em diferentes lugares do mundo são as mulheres
responsáveis pela manutenção da sociobiodiversidade dos ecossistemas. São elas
que detêm e mantêm as práticas e saberes acumulados pelas gerações ao que
correspondem às formas de dar vida a pessoas, plantas e animais. A palavra
cultura também advém do verbo cultivar em sua etimologia mais naturalista, se
formos pensar dessa forma, cultura é cultivar e as mulheres cultivam vida.
A partir dessa perspectiva, a Casa da Cultura
Góes Artigas é uma forma que nós mulheres caboclas encontramos para cultivar
conhecimentos, através do encontro e partilha de experiências. Somos sementes
em sua diversidade, cada uma com sua trajetória de vida - agricultoras,
professoras, estudantes, donas de casa, empreendedoras, artesãs, comerciantes,
lideranças comunitárias, religiosas e políticas. Acionamos conhecimentos de
forma coletiva para que todas possam florir, cada uma em sua estação.
Organizadas como coletivo de cultura,
empreendimento de economia solidária feminista e associação de produtoras
rurais, ampliamos nossas potências, por meio do resgate de saberes e defesa de
valores, e dessa forma multiplicamos boas práticas, voltadas ao bem comum.
Parece utópico? Pois é, somos sonhadoras.
Sonhamos com dias melhores para nós, para nossas famílias, para nossa
comunidade e para toda a sociedade. Também sonhamos com uma biblioteca, um
cinema, uma cozinha, um ponto de encontro, enfim, um lugar para cultivar juntas.
A Casa da
Cultura é a efetivação desses sonhos-sementes que brotaram no ano de 2016 na comunidade rural de Góes
Artigas. Tomamos a iniciativa de colocar a mão na terra, preparar o solo,
classificar as sementes, esperar a lua certa para semear. Para isso, trocamos
sementes com mulheres de outras regiões, pertencentes a grupos e organizações
do campo e da cidade. Articulamos práticas tradicionais com os conhecimentos
das mais jovens, usamos nossos próprios recursos para produzir adubações,
regamos com a água da chuva, protegemos do frio do inverno, observamos com
cuidado. Algumas sementes brotaram, cresceram e estão proporcionando frutos de
um ciclo de quatro anos. Outras sementes estão em dormência e podem despertar a
qualquer momento, nos surpreendendo com sua beleza. Mas nunca deixamos de
semear, porque acreditamos que dias mulheres virão.
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Imagem: Olinda
Lewitzki Drutchiaki |
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